domingo, março 09, 2014

Gutiérrez Mellado e a manifestação das polícias

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Capitão General Gutiérrez Mellado
Sem dúvida, esta será a imagem mais famosa do general Gutiérrez Mellado que correu mundo durante a tentativa de golpe de 23 de Fevereiro de 1981. 
Por mero acaso e  por  negligência da força que tomou o parlamento espanhol, que não se apercebeu de uma câmera de televisão que ainda estava ligada, toda Espanha  viu uma figura frágil, de cerca de 70 anos, que a maioria dos espanhóis praticamente desconhecia, a enfrentar corajosamente a guarda civil, que empunhava pistolas e metralhadoras, não se vergando perante as ameaças e as várias tentativas que fizeram para derrubá-lo à força, obrigando, de resto,  a guarda  a fazer fogo para impedir que outros imitassem o seu gesto. O golpe foi de imediato reprimido e o General Gutierrez Mellado é hoje um mito e uma lenda no País vizinho.
"A primeira lei da sobrevivência é a submissão. Apenas um imbecil ou alguém com um gosto perverso pelo martírio não se ajoelha."
No Marquês, era canja, íamos vingar Abril, íamos abalar os alicerces do governo, quiçá transformar o Mundo. Quando chegámos a S. Bento, ainda gritávamos vigorosamente e com determinação. Depois, passadas algumas horas a mandar bitaites e a brincar ao jogo do empurra, foi a capitulação. Afinal, uma entrada de leão para uma saída de sendeiro. 
Naturalmente que não era , nem nunca poderia ser um banho de sangue o que se exigia da revolta das polícias. Por uma lado, porque vivemos num regime democrático, cuja regulação, pelo menos no que toca aos mecanismos de poder, ainda permite periodicamente sufragar (em liberdade )  quem vai usá-lo para dirigir os destinos da nação; e por outro lado, porque existem outras fórmulas, fórmulas mais benignas e, quiçá, mais inteligentes e até eficientes para atingir os objectivos pretendidos - bastava, por exemplo,à semelhança do que recentemente tem acontecido por essas praças do mundo, aproveitar a mole imensa de gente que participou na manifestação para não arredar pura e simplesmente pé do largo de S. Bento até que as reivindicações fossem satisfeitas. Mas por quê, então, tanta garganta inflamada, tanta empáfia, tantos autocarros e tantos hinos, se depois vamos todos para casa com o rabinho entre as pernas?   Algumas luminárias dizem que isto foi tudo acordado antecipadamente, apenas para marcar posição - uma encenação. Não quero acreditar nisso, não quero acreditar nessa abjecta cobardia. Porque desse modo mais valia termos ficado em casa. 
Esta foi mais uma manifestação parva, como tantas outras que se  têm realizado por esse País fora ao longo destes últimos anos. Se a contabilidade for feita, verificar-se-à que o saldo é absolutamente negativo: ganhos, absolutamente nenhuns, apenas a chacota e a motivação, agora ainda mais reforçada, daqueles que nos estão a humilhar, permitindo-os girar quase em roda livre para fazer tudo o que quiserem.  
Eu creio, com alguma ponderação,  por certo, que se não fosse o trabalho de enquadramento e controlo diligentemente exercido pelos sindicatos sobre a raiva e a fúria dos trabalhadores, talvez a verdadeira ordem já tivesse sido restabelecida - não é por acaso que as pitonisas de serviço continuam deleitadamente a enaltecer a " sensatez " e o papel moderador ( desmobilizador e castrador ) dos sindicatos.

O terreno está todo armadilhado. Não é por acaso que já se fala em mais vinte anos de protectorado, por imposição da Troika ( temos que ir alimentando os mercados usurários, não é? ). E o infortúnio , é que a maioria da população não está ainda preparada para perceber e atingir os mecanismos insidiosos do poder, as suas formas de manipulação e de alienação rasteiras. 
Que fizeram eles, afinal, dos sonhos de Abril , da instauração de uma sociedade mais justa e fraterna? Qual a razão desta sanha e deste desamor pelo povo ? Bem poderia a psicanálise ser chamada à colação para conferir alguma consistência a este tratado de crueldade que está a ser exercido sobre os portugueses por esta súcia que nos está a desgovernar. Mas quando um dia o povo acordar, quando um dia tiver a coragem de olhar a besta de frente, nesse dia o mago volta a entrar na lamparina, a caixa de pandora volta a fechar-se e o maldito coelho entra finalmente na cartola, donde nunca deveria ter saído.