quinta-feira, junho 07, 2012

O futebol e a política

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"O medo continua a constituir o instrumento mais usado para dominar e subjugar os outros; e a frequência com que é usado e a importância fundamental que parece ter na sociedade, revela bem o grau de primitivismo em que ainda nos encontramos. Temos medo, é essa a nossa condição primária.
Nos reinos antigos cada um de nós era caçador e presa. As ancestrais planícies de África encontram-se profundamente entranhadas no nosso crânio, sendo lembradas com todo o seu terror e miséria. Nos nossos genes estão guardadas as lembranças das sombras que nos perseguiam e nos matavam. Temos medo.
Se formos confrontados com um perigo inesperado, de imediato saltamos da cadeira . O gatilho para essa reacção, é o jorro de adrenalina libertado pelas glândulas supra-renais. Levada pela corrente sanguínea, essa adrenalina comunica as reacções ao coração, que começa a bombear o sangue mais rapidamente - às veias, que se contraem e forçam a elevação da tensão arterial; ao fígado, que põe mais combustível na fórmula da glicose; ao pâncreas , que segrega tanta insulina que mais glicose é metabolizada; e ao estômago e intestinos, que param imediatamente de digerir os alimentos para que a energia seja desviada para outro lugar.
Toda esta actividade que se desenvolve num ritmo violento e com efeitos poderosos em todo o organismo, é coordenada pelo cérebro, que usa a pituitária para distribuir os sinais hormonais. Além disso, outras sinalizações químicas percorrem os neurónios, fazendo com que a vista focalize melhor, os ouvidos ficam mais aguçados, os músculos das costas retezam-se e a cabeça volta-se em sinal de alerta.

"Tanto o Bispo das Forças Armadas como o influente diário norte-americano,'The New York Times',chamava recentemente a atenção para a complacente atitude dos portugueses face à crise que estão a atravessar. Ao contrário de outros países, que mostram toda a sua indignação e orgulho ferido ( por vezes até de forma violenta ) pelo desprezo e arbitrariedade como estão a ser tratados pelas forças do Capital," por cá, nós todos bem " - parece até que sentimos um enorme prazer em sermos maltratado e humilhados, como se Masoch fosse o nosso bom e amado rei. Daí o fado, aquela "saborosa" e triste ladaínha, que continua a ser um dos nossos pratos favoritos e um dos traços que definem a nossa singularidade. Falta-nos, afinal, consistência ontológica, uma qualidade básica de que carecemos para sermos ouvidos e reconhecidos internacionalmente.
Vem isto a propósito do resultado do jogo que efectuámos contra a Alemanha no âmbito da participação de Portugal no Euro 2012, e dessa funesta e atávica realidade que nos cerca e nos tolhe.
Jogámos apenas 15 minutos, porque a maior parte do tempo andámos tristemente num desatino a guardar o nosso reduto defensivo, apoucados e temerosos ( a controlar o jogo, dizem ), a tentar conter uma equipa que, bem vistas as coisas e pelo futebol exibido, é inferior à nossa, e por isso não merecia ter saído vitoriosa do encontro. Em consequência desse frustrado início , ficámos perigosamente à beira do precipício; e isto tudo, porque não queremos assumir as nossas reais virtualidades, porque continuamos manietados pelo medo. Somos uns desgraçados e uns coitadinhos , de "etnia" supostamente inferior, que não passamos da cepa torta. E, no toca ao futebol, apesar do fogacho de umas quantas excepções, que até conseguem individualmente suprir esta negação existencial, construindo resultados, passando eliminatórias e chegando por vezes a rasar o céu, a regra geral é aquela que já conhecemos e que parece estar mais uma vez a desenhar-se com o regresso próximo da selecção. Porquê que isto acontece, se a qualidade dos nossos jogadores, comparativamente, até é muito boa?
Para além de um conjunto de circunstâncias e da irresponsabilidade de parte dos agentes do futebol ( nos quais avultam os dirigentes desportivos, os empresários, os formadores e os "opinion Makers", entre outros ), que são questões nada despiciendas e que importaria realçar, é no entanto evidente que parte do insucesso que temos se deve em larga medida aos nossos queridos "mestres" que, no caso vertente, são os nossos treinadores. Pequeninos ( a carreira ), pobrezinhos ( é uma profissão muito volátil ), e a maior parte quadrados, quase todos eles parecem preferir abdicar da arte que escolheram para manter , pelo menos temporariamente, o emprego.Salvo raras e honrosas excepções, a maior parte dos nossos estimados treinadores contribuíram e continuam ainda hoje a contribuir para tornar o nosso futebol pouco atractivo, deselegante, defensivo e tragicamente inoperante . Poder-se-ia dizer que os treinadores portugueses, ao contrário de outros, que aplicam o chamado futebol total, permanentemente ofensivo, repleto de técnica, criatividade e alegria, passam a vida inteira a aplicar uma filosofia de jogo que apenas confirma o pressuposto enunciado na tese do pensador José Gil, quando este afirma que o português é ontologicamente medroso - Basta observar atentamente as equipas portuguesas a jogar para constatar de imediato a veracidade desta asserção: uma estratégia de retenção e lateralização permanente da bola ( quando nos deixam fazer isso ), empreendida no nosso meio-campo e reduto defensivo, que até parece transmitir a (falsa) ideia de estarmos a dominar o adversário, como se fossemos os melhores do mundo. Às vezes, até conseguimos lançar uns rápidos contra-ataques , mas de imediato regressamos a correr para a nossa balizinha, aterrorizados com a possibilidade de podermos vir a sofrer algum inoportuno golo . Por outro lado, e relativamente ao resultado que é desejado, adoptamos sempre uma estratégia muito temerosa que nos leva a estar sempre com receio de perdermos a magra vantagem que por vezes até conseguimos obter sobre o nosso adversário, quer afortunadamente obtido à justa, quer através da manutenção de um reconfortante empate que, por certo, dará sempre a garantia de algum futuro.
Quem veja com olhos de ver o nosso futebol, sobretudo naqueles encontros que se reputam de importantes, seja no campeonato nacional ou nos confrontos com equipas estrangeiras ( e, aí, quase que nem vale a pena fazer o reparo, tais as evidências), imediatamente reconhece que a estratégia quase sempre adoptada é a do autocarro à frente da baliza. Reconheço, no entanto, que também aqui há algumas excepções, admito-o, mas estas, invariavelmente, são o resultado de um complicado lugar na tabela classificativa ( quer no campeonato, quer em alguma eliminatória de um Euro qualquer ) que nos obriga e empurra desesperadamente para o exercício de um modelo ofensivo que, às vezes ( Eureka! ), até se descobre ser , afinal, aquele que mais se adequa às reais capacidades técnicas e criativas dos nossos sonegados artistas.
Somos pequeninos, na verdade, ou querem que acreditemos nisso .
Medo, muito medo. Sempre.