quarta-feira, outubro 01, 2014

O dogma de Stephen Hawking

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É preciso realmente muita sabedoria para não cair no ridículo de fazer declarações de carácter finalista ou, quando muito,  para não fazê-las de forma avulsa. 
Partindo do princípio de que a vida se resolve apenas em duas ou três ideias fundamentais e que tudo o resto não passa de um grandioso cenário gongórico, com histórias convenientemente inventadas e recorrentes, tentar reflectir e analisar aquilo que é apenas consequência e daí tentar cunhar a última palavra, não me parece ser boa Filosofia, mas sim Teologia (científica?) da mais descarada. 
Na verdade, só um Deus, no significado maior do termo, poderia ter a estultícia de produzir um pensamento desta envergadura: O homem já não precisa de Deus para explicar o Universo porque a ciência ( eu ) está mais habilitada do que nunca para responder a esta questão. 
Quando um cientista de renome, com créditos bem firmados na investigação e teorização do todo faz uma declaração destas, obviamente que  incorre num falso raciocínio já que estas questões, pela sua natureza, ultrapassam a esfera da sua competência e põem em causa( ideologicamente ) a sua cientificidade. 
De facto, a ciência não pode, sob pena de trucidar o seu próprio método, o Método Científico, fazer afirmações sobre a realidade na sua ultimidade, uma vez que este problema não pode ser objecto de experimentação, nem é  passível de ser escrutinado pelo rigor da evidência Matemática . Agora, argumentar que o que não cai na alçada do Método Científico não existe, que são teias de aranha especulativas, ruminação bovina sem conteúdo, é expor cruamente as limitações do procedimento. Se a Ciência não consegue explicar nem muito menos descrever, lógica e objectivamente o que é verdadeiramente o Real, o que é a matéria na sua ultimidade : o átomo, o electrão, os quarks, a energia, as vibrações, as cordas , o colapso da função de onda, a espuma quântica ou o campo do ponto zero, por exemplo, já para não falar no problema dos infinitos, da origem do Cosmos e da vida, e do local, ou da instância da consciência, que teima em não comparecer no meio dos neurónios ou no turbilhão das partículas de que parece (não) ser formada, como pode então alguém , por maior competência que tenha demonstrado, rasurar simplesmente as questões finalistas, que são da ordem do enigma? 
Tentemos mergulhar fundo, como os grandes aceleradores fazem, para conhecer o locus da realidade, o constituinte básico e último do cenário que nos assiste, e veremos com quantos paus se faz uma canoa virtual? Ou se encontramos algo mais do que o Não-Ser quando chegamos "lá em baixo" ao derradeiro reduto da ultimidade? Afinal, é tão perfeito e admirável o espectáculo do Real ( Matrix ) e tão descabido os mundos virtuais alimentados pelas nossas e mais doces fantasias que acabamos por cegar. Estaremos, assim, tão seguros da nossa sagacidade?
Já William James, pai da Psicologia Funcional, quando confrontado com o abismo que é a busca da verdade e a consciência da incompletude do conhecimento, alegava, filosoficamente, que o melhor a fazer, para a vida prosseguir o seu trilho e não ficar bloqueada no complexo das indecisões, era testar as ideias, as hipóteses e as teorias que para nós mais se aproximam da verdade, e depois adoptar aquela que nos assegure o resultado mais satisfatório. Enfim, soluções práticas tidas como boas para nos podermos conduzir no Real. 
Uma delas, para ilustrar esta tese, é o Emergentismo, uma  solução conveniente para tentar aplacar a ansiedade provocada pelas  tais interrogações e indecisões. Sustenta  o Emergentismo que a propriedade de um sistema é dito emergente se este for mais do que a soma das propriedades dos componentes. Ora, o problema é que não se consegue saber quando a nova realidade emerge, qual o preciso momento em que se dá a mutação fundamental ( e muito menos quando emergem os componentes ). Ou seja, qual o momento em que é atravessado o rubicão de um particular estádio de tensão transformacional que dá origem a uma realidade nova ( o Universo, a vida, ou a consciência, por exemplo). Parece até que estamos sempre a ser confrontados com factos consumados, factos ou fenómenos que acontecem sem sabermos como. De facto não temos ferramentas para acompanhar e medir a transição. E não perceber isto é tentar brincar aos demiurgos, é tão-somente não perceber os subtis mecanismos do mundo e como aí se chegou. Porque a falta de explicação mantém-se, já que estamos perante o irritante problema dos infinitos . No domínio dos paradoxos de Zenão, seria preciso saber qual o momento e o lugar do súbito salto de qualidade, o preciso instante em que ocorre a alteração fundadora.  Tal como o reducionismo, outro modelo teórico racionalmente bem estruturado, que também declara, grosso modo, que os objectos, fenómenos, teorias e significados complexos podem ser sempre reduzidos às suas partes constituintes, ou seja, reduzidos à sua ultimidade. Mas aonde se encontra a ultimidade, aonde se encontra e como é a substância básica da realidade? Pois é, a Ciência responde a tudo... 
Do lado oposto às filosofias substancialistas, teríamos o idealismo, com a sua corrente mais radical, o Solipsismo, que tentaria convencer-nos de que a realidade objectiva não existe, não passando tudo o mais de estados mentais, experiências interiores e pessoais que estariam apenas confinadas ao momento presente. Diz-se até que não passaríamos de uma espécie de holograma, sem materialidade alguma, que projectaria o holograma cósmico. Registemos o pronunciamento à luz do que se disse anteriormente quanto à dificuldade em saber do lastro da realidade.
Por tudo isto, e depois de elencar alguns aspectos significativos do mistério que nos envolve e enforma, mais uma vez  proferir um axioma tão cientificamente definitivo, parece ser uma pura aberração. Mas também quero sinalizar o facto de nada de transcendental estar implícito nesta dificuldade da ciência em não conseguir responder às questões fundamentais. Nada habilita, naturalmente, que se infira outra coisa que não a ausência de teorias e novas descobertas que possam colmatar os buracos negros que continuam a fazer parte das interrogações que fazemos acerca da realidade, e contar que a ciência, paulatinamente, vá dando as respostas necessárias, tal como o tem feito até aqui . 
De qualquer forma, todos sabemos que o caminho fica aberto à infiltração das religiões sempre que a ciência não consegue, pelas limitações evidenciadas, responder às questões fundamentais da realidade. O terreno fica assim preparado para entrar e consolidar-se o designado Deus das lacunas, aquele que, na ausência das respostas do homem,  pela sua omnipotência, omnisciência e omnipresença  subjazeria a tudo. Este Deus funcionaria apenas como intermezzo, para conferir sustentabilidade ao vazio ôntico no que respeita à paternidade da Cosmogénese, até à maior e por ventura derradeira descoberta científica. Mas como lógica e epistemologicamente isso não poderá vir a acontecer ( suponho), o deus das lacunas ( Deus )  pairará para todo o sempre nos céus.