domingo, abril 20, 2014

A direita , somos nós ( quase todos )...

CONNECT !!!
INTERNET EXPLORER

Depois da apresentação da praxe, disparámos a pergunta sacramental: " onde estava você no 25 de Abril ? "" No 24 , claro! Onde deveria estar? " Responde a maioria dos portugueses. 

Se do ponto de vista do calendário a resposta parece-me óbvia, já no que concerne à cultura política ( ou à falta dela ) o sinal é muito evidente e esclarecedor.
Interrogamo-nos muitas vezes sobre a razão pela qual a direita continua ainda a ter tanta aceitação e acolhimento junto do povo português - e a prová-lo está, até à saciedade, o facto de continuar a obter, sem sobressaltos de maior e desde o 25 de Abril, os resultados eleitorais que se conhecem. 
Esta orientação ideológica e maioritária dos portugueses à direita, não resultaria tanto do facto dos partidos que os representam naquele espaço político terem conquistado o seu voto pela acção pedagógica desenvolvida em campanhas de esclarecimento , convencendo-os a optar de forma consciente pelas suas ideias ( eu sou de direita por convicção, por ser um cidadão informado e exigente, política e ideologicamente), mas única e simplesmente porque a maior parte da população, por vicissitudes históricas que se conhecem, é atavicamente de direita - O peso de uma herança cultural obscurantista e castradora muito forte, com um pendor mais acentuado na província, mesmo depois de passados tantos anos sobre o 25 de Abril e da natural renovação de gerações, e a influência de um individualismo muito arreigado, descomprometido e despolitizado nas grandes urbes ( para além de outros factores, naturalmente ) , vieram a determinar esta tendência política ou a confirmar esta característica do seu código genético 
Mesmo agora, mesmo depois da hecatombe que se abateu sobre nós, do ataque bárbaro que este governo perpetrou contra as nossas condições de vida, tudo indica que mais uma vez a direita vai sair ilesa do julgamento popular, não ganhando as eleições, claro está ( pelo menos, assim espero ), mas não sendo de todo penalizada o quanto seria expectável.
Mas para responder com mais concisão e ironia a tão idiossincrática questão, recorrerei uma vez mais à pena espevitada e desconcertante  de José Vilhena para ele fazer luz sobre a alma portuguesa.

" Afinal, no 24 de Abril, você estava-se absolutamente nas tintas para a política, para a exploração do homem, para a prepotência da ditadura, para a guerra colonial, para as injustiças, enfim, borrifava-se para tudo menos para o seu umbigo. Até ao 25 de Abril você não investiu um chavo num futuro de esperança, não deu uma ajuda, não arriscou um só cabelo da sua casposa cabeça, comia e dormia e ia dizendo as cavalidades protocolares do costume. Desde que não o incomodassem e não lhe tirassem o futebol, as gajas, os carros e os copos, cagava-se para tudo o resto - Diga-se  de passagem ainda, que havia muito respeitinho. Nessa altura, as pessoas eram muito comedidas e não andavam manipuladas pelos partidos, nem excitadas pela luta de classes. Havia ordem , muita consciência cívica (à força do cacete); o povo não andava para aí nas ruas a dar vivas ao primeiro que aparecesse nem a cagar as paredes com grafitis e pinchagens. As autoridades eram respeitadas e tinham prestígio, a igreja conduzia o seu rebanho pelo bom caminho e sem sobressaltos, o patronato impunha como de costume a sua prepotência, sem inspecções e tribunais de trabalho a condená-lo e a propriedade e a ordem pública estavam nas calmas asseguradas. Portanto, não foi com certeza por falta de muitos e bons mestres que ficámos com a lição mal estudada , pois andaram quase meio século a ensinar-nos pacientemente  que o exercício activo da política não era coisa que conviesse ao nosso temperamento de latinos e que a felicidade de um povo não se mede pelo número de partidos e militantes políticos, pelo grau de liberdade de informação, por eleições livres ou por reivindicações de trabalhadores. Pelo contrário, a felicidade de um povo medir-se-ia por outros índices reveladores do bem-estar colectivo, como o bico calado, a ordem pública do toca a agachar, o engravatado respeito pelas hierarquias, a amável confraternização entre o patronato e o proletariado agradecido, o activo repúdio pela coisa política e tudo o que fosse subversivo.
Era verdade, sim, o fascismo tinha reduzido o povo à santa ignorância e à indiferença, apenas um minúsculo escol tinha consciência política e participava em actividades clandestinas. O Governo do senhor Presidente do Conselho, através dos aparelhos ideológicos do Estado ( a Justiça, a Educação, a Família, a Religião, a Cultura e o desporto )controlava tudo. 
Mas eis que de súbito se partem os grilhões em Abril e o povo português revela um pendor esquerdista e reviralho de fazer inveja ao mais pintado dos antifascistas . Esta surpreendente constatação política vai ainda mais longe quando vimos irmanar no mesmo abraço e confissão, sem distinção de credos raças ou ideologias, o proletário e o empresário, o trabalhador rural e o latifundiário, o esquerdista e o torcionário, o bombista e o bancário , a prostituta e o missionário, o protozoário e o eteceteritário. Enfim, uma gentalha que se arrogava agora no direito de tratar-se por camaradas, uma corja de falsos democratas que de repente tinham acordado para as grandes causas, para as injustiças, para a exploração do homem pelo homem.  Tinham lá eles a ver com os mineiros do país de Gales, com os camponeses ucranianos ou os pequenos agricultores do Iang-tzé?"