domingo, junho 15, 2014

Produtor de "assemblages", pretensiosismo, ou simplesmente o efeito da oxitocina

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Ao correr da pena

Quando pareço exibir prosa escrita, eu não crio, na verdadeira acepção da palavra. E não é no contexto daquela máxima que afirma que todos somos herdeiros de uma cultura, consequência portanto de um legado em que tudo já foi dito e escrito para ser posteriormente utilizado ( plagiado ), que percepciono esta questão. 

problema é outro. Quando na realidade sou confrontado com uma situação que me desafia, que a minha inventividade é posta em causa, fora do contexto das minhas aptidões(?) e talento natural(?), claramente a resposta é titubeante e confrangedora. É o caso da exposição escrita e oral, senão mesmo da organização do pensamento. Não é à toa que se diz que a dificuldade em raciocinar se reflecte indubitavelmente na capacidade de escrever e falar. 

Se eu sentir, por exemplo, necessidade de deixar um testemunho escrito, seja por imperativos de consciência, sentimental, ou de outra ordem qualquer, enfim, quando tenho de enfrentar a folha em branco, de imediato o meu cérebro começa a emitir sinais de alarme e atrofia-se. E atrofia-se  a tal ponto que a incompetência ganha carta de alforria e transforma-se numa dificuldade intransponível. Não estou preparado, pronto! Não é de todo o meu métier. 

Depois, a consequência disto tudo é uma inércia avassaladora onde o tédio, com o seu habitual cortejo de bocejos arreliadores, germina e toma conta do resto. Fica, então, à vista todas as minhas insuficiências, quer na lógica da construção do pensamento, quer na sintaxe e na semântica. Um desastre . Sou mais um produtor de "assemblages".

Em boa verdade, a minha vocação parece andar mais próxima de uma certa capacidade de discernimento, uma espécie paradoxal de epistemologia intuitiva, muito minha, que me permite descodificar o real de uma forma radical e permanente. 

Esta forma de interpretar os factos do mundo, que diverge da leitura que habitualmente se faz,  parte do pressuposto de que o homem é na sua verdadeira natureza um animal cujo propósito básico, antes de toda e qualquer abstracção racional, é o de satisfazer ininterruptamente as suas necessidades fundamentais - a saber: beber e comer, segurança e descanso, sexo e laços sociais. 

Quero eu dizer com isto que não é nem nunca foi a razão, a racionalidade ou o eu consciente que tomou e toma as decisões respeitantes à condição humana, mas sim os instintos, embora tudo indique o contrário. A consciência está ao serviço do corpo, como diria Nietzsche.

Na realidade, quando por vezes  flutuamos, embevecidos e embalados, naquelas conversas muito sofisticadíssimas e inteligentes, prenhes de refinamento e de arrogante superioridade, mal percebemos que estamos a ser conduzidos por um programa ( e esse, sim, elaboradíssimo ) inscrito no nosso ADN, que depois é traduzido no mundo sob a forma de instintos  

( Para já, fico por aqui em matéria de Ontologia, já que me perderia depois no contexto da Física do nada ou, quanto muito, a esticar a(s) corda(s) até ao campo do ponto zero ).

Portanto, eu capturo o real partindo da premissa de que a vida se resume a duas ou três ideias básicas, não passando  tudo o resto de um grandioso cenário gongórico que visa entreter-nos neste longo cativeiro. Enfim, estórias e narrativas que é preciso inventar para alimentar a insatisfação e esconder a agonia da existência. 

Em última análise, as respostas que vamos dando em cada momento e ao longo da nossa vida, por mais sofisticadas que sejam, desde as mais simples manifestações do engenho humano, passando pelos grandes tratados de ordem filosófica até às mais elaboradíssimas equações matemáticas da física teórica, por exemplo, apenas servem para sossegar , em matéria de equilíbrio vital ( homeostasia ) a carência de propósito e sentido que queremos dar a tudo isto e que inflamada e racionalmente reivindicamos.  

Assim, quando aplico esta grelha de análise ao serviço da descodificação do real, ou seja, quando quero decifrar os segredos do quotidiano e os factos do mundo, eu parto sempre daqui. 

E que lugar é este? É um lugar de permanente desassossego,  um centro de desencriptação sistematica que  reduz todos os fenómenos, factos e comportamentos à sua matriz fundamental, eliminando todas as camadas artificiais ou desviando todos os véus de dissimulação que se encontrem à nossa frente,  de modo a deixar ver a essência da realidade. 

Por isso, ao menor sinal captado pela minha sensibilidade, quer  este venha do exterior ou do interior , de imediato o meu aparelho cognitivo se concentra sobre o que é importante, que é o objecto do conhecimento, e abstraio-me de tudo o resto. 

É um acto agudo de contracção interna, uma espécie de sensação de recuo e de afastamento, para onde a minha consciência se retira quando quer realizar uma unidade o mais densa possível de concentração observacional. É como uma espécie de operação cirúrgica feita com o apoio de um potente microscópio electrónico, diria mesmo à maneira da demanda empreendida por um "Large Hadron-Collider" qualquer, seguindo o método científico, para perceber, finalmente, qual o " locus da realidade ". 

Naturalmente que a maior parte dos factos e fenómenos me passam ao lado, como acontece com  a toda a gente. Apenas dou atenção àquilo que verdadeiramente considero importante, que verdadeiramente me interessa, e, no final, a conclusão fica habitualmente comigo, intransmissível, com efeito. 

No campo das ciências do homem, com a psicologia à cabeça, numa lista em que figuram naturalmente a sociologia, a política , a economia, etc. , para já não falar na antropologia, na filosofia, na teologia e em todas as logias que se apresentam como motores matriciais para sustentar teorias e ideias sobre a natureza do homem, como  as relações económico-sociais, as estruturas motrizes por detrás das ideias, os modelos de conscialização do inconsciente ou as teorias do homem maléfico à Maquiavel, ou do homem bom, de Rousseau etc., aquela que melhor documenta a verdadeira natureza humana, segundo o meu ponto de vista, é a que nos remete para os instintos 

- A natureza humana, aquilo que radica bem lá no fundo de todos nós, é indiscutivelmente a causa do nosso comportamento, a sua origem. Esta singularidade é invariável no tempo, não depende dos lugares  e contextos culturais. Tem a particularidade, por exemplo, de fazer com que um requintado nova-iorquino se conduza basicamente da mesma forma que um aborígene da Nova Guiné. O substrato é absolutamente igual, quer para um, quer para o outro, muito embora o cenário sofisticado do primeiro nos leve ao engano. 

De todo o modo, segundo este princípio, toda e qualquer acção humana ( gesto, comportamento , atitude , conduta, etc.) reporta sempre ao nosso egoísmo ( em primeira, segunda ou terceira instância. Eu , depois eu e sempre eu ), por via dos instintos, que dominam a razão, como sustenta, grosso modo, o Darwinismo. 

O cérebro antigo, reptiliano ou arquicéfalo,  continua a dominar e a submeter o cérebro novo, sede da subjectivação e da inteligência , que é o neocórtex, ainda que o espectáculo grandioso da civilização e da cultura que erigimos insista em  escondê-lo . 

Basta pensar , para ilustrar bem este facto, na teoria do contrato, uma plataforma de entendimento que foi paulatinamente adoptada pelo homem  e a partir da qual se formou toda a sociedade . Na realidade, na aurora da evolução e da especialização das relações humanas , os homens concluíram que tinham de deixar de se combater mutuamente para sobreviverem, fazendo então cedências e estabelecendo tacitamente compromissos. 

O seu egoísmo, os seus instintos , os seus desejos e interesses ficavam assim aparentemente mais limitados por este tácito acordo, mas por outro lado melhor salvaguardados, uma vez que faziam baixar desde logo os índices de stresse no animal humano e mais afastado o espectro da morte provocado por estas refregas. Foi uma conquista importante na etapa da hominização. 

Ou, para dar mais ênfase ainda a esta ideia, porque mais dramático, para ver até que ponto o bisturi que utilizo para captar o real actua, apresento um exemplo mais radical para se perceber como pode ser  fino  o " locus da realidade ". 

Imaginem por momentos o exemplo universal do amor de mãe, o amor de uma mãe que é dramaticamente posta à prova numa situação limite  para salvar o filho,  já que este amor é  considerado o sentimento mais genuíno e desprendido de todos, sem ponta alguma de egoísmo, idealizado e idolatrado desde sempre pela comunidade humana. 

Imaginem agora que esse gesto de amor sublime, de uma mulher que sacrifica a sua própria vida para salvar a do filho, não é mais do que o resultado da presença implacável do seu "proto-egoísmo ". Na verdade, para aliviar a pressão homeostática vital, ou equilíbrio psico-funcional, que é experimentado numa situação limite como esta, uma mãe morreria ( aparentemente ) pelo seu filho, para não ter que sentir ou enfrentar a dor terrível ( se não morresse ) da sua perda. Neste sentido, ela não morreria por ele , mas sim indubitavelmente por ela. Ou seja: pelo seu egoísmo

 - Convém, no entanto, salientar que estes processos genésicos, que ficam muito abaixo das camadas de verniz que a nossa racionalidade oculta, não são facilmente percebidos. A consciência  moral rejeita-os liminarmente. 

Ainda neste âmbito, da descodificação radical do real, poder-se-à apresentar também, como exemplo, as construções politico-ideológicas e a subestrutura que reside abaixo delas, abaixo das  aparências. 

À guisa de ilustração, não deixaria de fazer uma alusão ao facto de a aristocracia czarista ter sido substituída por uma elite revolucionária, que se transforma mais tarde numa aristocracia de burocratas corruptos, matando assim a esperança a milhões de deserdados da terra; tal como na China, onde os mandarins que foram apeados do poder por uma utopia igualitária, se transformam anos depois, como se constata, em mandarins comunistas do Capitalismo mais agressivo e selvagem que já se conheceu.

Certamente que também sei quais foram as consequências trágicas da chegada ao poder de governos cujo programa político assentava em princípios ideológicos amoralistas e irracionais. Basta passar os olhos pela História para ficarmos a perceber bem o que foi esse cortejo de horrores. 

Afinal, a ideia prevalecente que aqui enuncio, baseia-se, em última instância, na assunpção dos instintos ao poder. Porém, como referi a propósito da teoria do contrato, é sempre na ponderação dos prós e dos contras que o homem acaba por encontrar soluções para responder aos seus problemas, conflitos e guerras. A paz é disso um exemplo cabal. Para não soçobrar, o homem também encontra estratégias, em última análise de ordem instintiva e irracional para sobreviver, aparentando , no entanto, terem sido forjadas na divina razão e enaltecidas como actos sublimes da sua superior grandeza . 

Enfim, não obstante eu considerar que são os teóricos sociais conotados com a direita, ou mesmo com a direita fascista que melhor explicam e definem as relações de poder em sociedade, à moda da velha escola de Pareto , Sorel e Mosca, nem por isso eu deixo de ser de esquerda. É como o ar que respiro, não posso passar sem ele. 

Deste modo, e em consequência do aparente paradoxo em que me vi metido para conseguir fazer um síntese possível entre a percepção que tenho do homem no mundo e o sentimento político que me anima, apenas posso ter uma posição ideológica : sou um Neodarwinista de esquerda - aliás, como todos bem sabemos, a grande maioria da gente que se diz de esquerda tem muitas vezes comportamentos fascizantes,segregacionistas e discriminatórios.

Mas parece-me que perdi o fio à meada, entretanto. Afinal vinha tudo isto a propósito da falta de vocação para o fenómeno da escrita e da necessidade de ultrapassar essa dificuldade através de uma forma de expressão que se aproximasse tanto quanto possível dela, sem muitos desvirtuamentos,  para poder deixar também o meu testemunho sobre a realidade. 

E para que isso viesse a acontecer, vi-me então compelido a agarrar as " peças " que fui colhendo ao longo da vida, pondo-as todas em relação umas com as outras, como numa grande girândola de possibilidades, até conseguir encontrar o desconhecido Eureka, o conceito novo e apelativo que pudesse sedutoramente apaixonar-me - o que até aí não passava de um monte de pedras, passou de repente a ser uma escultura semânticamente cheia de significado.

De todo o modo e para terminar, como se diz, quando se trata da oratória e da escrita , o negócio é duro.

Oxitocina - Alguns chamam a "molécula do amor". No cérebro está envolvida no reconhecimento e estabelecimento de relações sociais e também na formação de relações de confiança e de generosidade entre pessoas.