domingo, novembro 24, 2013

Tanatofobia e Neguentropia

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A vida é uma comédia tenebrosa
Quase que poderia concluir ( com algum desagrado, diga-se de passagem ) que um dos meus vícios maiores é o de questionar a morte, a morte antevista como  fim inescapável, a morte percebida como desintegração absoluta, desintegração da "substância" pensante, que nos faz "ser" ( seres conscientes - ontos) e nos anima . Mas essa obsessão acentuou-se agora ainda mais com a velhice e, naturalmente, com a óbvia proximidade da sua ocorrência. Não vivo , claro está, à beira de um ataque de nervos por causa disso, mas sou obrigado a reconhecer que, em matéria de saúde, a hipocondriazinha anda sempre por perto e, ao mais leve e insignificante sintoma, de pronto se activam todas  as defesas e esconjuros contra esse inimigo inominável - a morte é um trauma arquétipo  que está radicado bem dentro de nós ( tal como o do parto ). E de tal forma o está, que as suas consequências determinaram, talvez para exorcizá-la, o advento de uma civilização.  Enfim, o fim dos tempos ( dos meus, naturalmente ) aproximam-se, inexoravelmente, e com eles o meu irreparável e perfeitamente descartável desaparecimento - "The Show Must Go On" . 
Na realidade, a morte de que aqui trago notícia não é, tal como o disse antes, aquela morte apreendida como mero conceito ou fenómeno " tout court "ou, sobretudo, como morte ocultadamente vivida, despercebida, como  acontece na generalidade dos casos, embora ainda assim definidora de tangências, mas a morte morrida, a morte tragicamente sentida como o fim da linha , irrevogável e sem tribunal de recurso, como tão enfaticamente a dramatizou Saramago mais ou menos desta maneira:  ainda agora ele estava aqui, mas jamais voltará a estar; será escusado esperar por ele, porque não vai aparecer novamente a dobrar a esquina; será inútil pôres o prato na mesa , porque ele nunca mais comerá conosco.  Sim, esta é que é a morte, a morte verdadeira, a morte compreendida como desafio final, a morte que é combatida e obnibulada laboriosamente no quotidiano por uma hipnótica lenga-lenga que se cola à vida para a resgatar, não deixando sequer que a maldita consiga assumar à vista . Na verdade, nesses momentos introspectivos de maior desânimo e perplexidade, quando o terror da finitude nos cerca, é esta lenga-lenga que nos acalma, porque actua como um escudo protector que afasta previdentemente  os pensamentos de morte do centro mais agudo das nossas cogitações: "É pá, todos temos de ir, não há nada a fazer, ainda não reparaste? És tolo ou quê? Não penses mais nisso. Vive é a vida e deixa-te de histerias. Depois a gente até se encontra 'lá em cima' para mais uma jogatana" - Benzadeus!Isto não é mais do que o culto do pseudo herói, alarve quanto baste, sempre a armar ao pingarelho por dá cá aquela palha, sempre convencidíssimo de que a sua armadura pseudo-científica o libertará, para além desse momento de jactância, do inefável  desconforto da oblívia realidadede. Esta gente, que vive obsecada com as palhaçadas da convivialidade, está sempre pronta para àquilo que depreende ser um sinal de fraqueza  do outro, para menorizá-lo e enchovalhá-lo: "coitado, tem medo de morrer? Eu não . Quando tiver de ir , vou. O que me custa mais ( dizem ) é ter um problema daqueles... e ficar deveras amputado na minha autonomia, a depender de terceiros, a ser um peso nas suas vidas  . Por mim, que sou adepto da Eutanásia, era um instantinho". São uns sabichões esta gente. Só que depois, quando na fase final da etapa estão a jazer no leito da morte e com dores lancinantes, dores intermináveis,  longe de todos os afectos e a sentirem profundamente a loucura da solidão final, aí , aí sim vão clamar por justiça  e muitos deles, obviamente, a cometerem o pecado da conversão. Também Jorge de Sena, num épico lamento sobre a sua efémera condição, reagia assim contra a fatalidade: "Eu sei que tu não existes! Hoje, lúcido e perfeitamente pleno das minhas faculdades, eu renego-te. Mas também sei que, quando chegar a minha hora, eu vou negar tudo o que disse até aqui e vou acreditar piamente em ti e na 'outra' vida".
De facto, como geração afastada compulsivamente do ritual da morte pelo zelo protector de uma negação historicamente assumida e amadurecida, que culminou no século passado com o advento de um secularismo militante,  por via do grande desenvolvimento científico, e que deitou por terra todos os mitos salvíficos sobre a eternidade e a outra vida, qualquer sinal que indiciasse a proximidade da morte de imediato era banido para os fundos esconsos do quotidiano. A partir daquele momento libertador, e em crescendo, dando razão e vazão à sua natureza, agora publicamente  assumida de individualista ( que até ali tinha sido castrada ) , o homem moderno começou a afastar-se dos dogmas prevalecentes, tornando assim mais nítido para ele o cenário irremediável do desfecho final. O seu sentimento de revolta e a forma como  evita todos os sinais de morte, estão aqui -  Não por acaso mente-se às crianças sobre a morte, ou argumenta-se que é de mau gosto falar dela, ou então pura e simplesmente não se fala. E quanto aos sinais de luto, eles são tacitamente evitados, não vão as perguntas incómodas manifestarem-se. E tudo isto porque a morte é o maior problema do homem, um problema que se revela dramaticamente e sem solução. Na realidade, esta revolta que mina o homem, esta inevitabilidade sem remissão, que até há pouco tempo era percebida como elemento natural e integrante da vida (  tal como  ainda  é vivida em muitas culturas ), passou a ser sinónimo de tabu e praticamente abolida do centro regulador da nossa sociabilidade. Ou de outra forma, como somos filhos das gerações urbanas mais modernas, o mesmo é dizer da 7ª arte e dos seus sucedâneos ( a imagem é o elemento do real mais perturbador ), passámos a olhar a morte como morte ficcional, representada, espectacularmente representada, muito arrumadinha e freudianamente analizada, hoollyodesca, quante baste. Enfim, a morte virtual e liofilizada,  com muito sofrimento, por certo, mas ainda assim percepcionada como a morte do outro, a morte cenarizada, não aquela que nos caberá um dia em sorte, num dia aziago, um dia em que a dita se lembre de aparecer à porta para cobrar o seu tributo. 
Mas convinha fazer aqui um pequeno reparo sobre as circunstâncias e o sofrimento que a antecede, porque esse é talvez um elemento importante a ter em conta. Em boa verdade, quando a morte é provocada por acidente, ou por acometimento fulminante, que à partida  parece ser menos doloroso, quer física quer psicologicamente, tanto para o enfermo como para os seus entes mais próximos ( pelo menos, aparentemente, já que o factor tempo parece ser aqui um elemento abonador da "fortuna" ), a coisa até parece ser limpinha , higiénica e menos torturante. Mas agora, quando ela é labirintica e capciosamente desavergonhada, quando se insinua  por entre as dobras do nosso corpo ou da nossa alma e nos começa a corromper lenta e irremediavelmente, aí fia mais fino, porque tudo acabará de uma forma mais cruel e dramática. Quando, por exemplo, sucumbimos ao cancro ou ao alzeimer do costume e nos vimos afogados num mar de sangue, de pus e de fezes, cheios de dores; ou quando a demência nos afasta do centro da vida e perdemos muitos dos referentes  adaptativos elementares, que nos leva  por vezes ( imagine-se) a percorrer ene vezes a nossa própria casa , a casa que tão bem conhecíamos, à procura da cozinha para comer umas meras bolachas, teremos então de reconhecer, forçosamente, que chegou o tempo do Apocalipse e implorar por um acto final de clemência : "mata-me pai, que eu já não aguento mais.
Vem tudo isto a propósito de um encontro que se tem vindo a realizar anualmente, em meados de Setembro ( enquanto, pelo menos, as brumas de Inverno não chegam... ), entre velhos amigos de infância e  adolescência , um convívio de almas danadas que se juntam para sacudir o pó das carcaças e o ar dos tempos, e também para tentar que o evento lhes consiga devolver, nem que por breves instantes, um cheirinho do estado de graça que marcou os seus verdes anos. Esta romaria, quase inconsequente no seu formalismo mas aparentemente muito rica em afectividade, seria, por ventura, uma forma quase inconsciente  de esconjurar a morte já que a idade e os achaques nos colocam perante essa inevitabilidade  - não é por acaso que alguém dizia com fina ironia que a " malta" apenas se encontrava e revia nestas circunstâncias ou então em tristes funerais. Mas, claro, a "malta" também não o faz por menos. É a vida, como dizemos todos uns aos outros. O que é certo é que a entropia encarrega-se sempre de zelar pelo respectivo afastamento, levando muitos de nós a procurar outras paragens para dar novo rumo às suas vidas e, outros , aqueles que acabam por se quedar no pedaço, a reorientar também as suas vidas por outros azimutes. De qualquer forma, quer uns quer outros, por razões diversas, deixam muitas vezes a vida pendurada nos guarda-fatos da memória à espera que a traça finalmente corrompa a naftalina, e, depois, quando um dia se lembram de abrir a janela para entrar uma lufada de ar fresco, para este ou outro convívio qualquer, já é tarde demais: o comboio já passou . 
Mas, de facto, o encontro realizou-se e as almas aquietaram-se. Quer-me parecer, no entanto,  que a resposta que cada um deu àquele chamamento não foi homogénea. Por exemplo: enquanto a grande maioria entregou-se incondicionalmente às "festividades", outros, porém, de modo mais prosaico, parecem terem acertado o relógio unicamente para cumprir o ritual, ou porque existe uma obrigação consignada no nosso ADN  que inconscientemente nos impele para aquela particular gregaridade ou, então, de forma menos prosaica e mais tabloidísta, porque a memória espevitou a curiosidade para ver, naquele revival encontro, os estragos provocados pela passagem dos anos.
O ponto de encontro desta celebração foi marcado fatalmente para um dos locais mais sagrados  da nossa saga menina ( pelo menos para alguns de nós ): os Penicheiros e o Largo do Casal. Os Penicheiros, porque de facto foi um dos palcos da nossa juventude, uma segunda casa que ao longo daqueles anos soube abrigar o recreio dos nossos sonhos - os ideais , a música , o imaginário inflacionado das nossas efabulações; e o largo do Casal, porque também ali fômos ( ontologicamente falando ), porque ali se realizou parte da nossa infância, ainda ao colo dos nossos pais, e porque mais tarde também assistiu à nossa entrada na idade adulta depois de passada a fase das jogatanas e das fugas às patrulhas da GNR. Nesse período de intenso labor intelectualmente criativo, o Largo acolhia-nos como Ágora para assistir aos intermináveis e apaixonantes debates daqueles ilustres imberbes, debates esses sempre sobre tantos temas  (e quanto mais obscuros e especulativos melhor) , que revelavam uma enorme curiosidade sobre o mundo e as gentes, tentando os jovens desse modo queimar etapas no seu processo de amadurecimento - diga-se de passagem de uma curiosidade de quem na altura verberava o destino por se julgar eterno. 
Este ano, os caminhos de Santiago levaram-nos por terras de Alburrica, outrora território inóspito, pontuado por algumas barracas mal amanhadas de madeira e chapa ali e acolá, com pequeninas hortas em seu redor e alguns animais de criação para enganar a sorte, e com cães sempre a ladrar. Barracas de gente pária que a sociedade excluiu deliberadamente do seu viver. No extremo daquela língua de areia, junto à antiga estação fluvial , Alburrica também era habitada por uma raríssima família de pescadores do rio que faziam do que restava dos moinhos de vento, que se tornariam anos mais tarde o ex-libris da cidade, a sua parca casa. Esta ilhota de pobreza, palmilhada pelos putos de pés-descalços ,que de vez em quando defrontávamos em aguerridas futeboladas, com finais dignos de Aljubarrota, uma vez que acabavam invariavelmente à pedrada entre uns e outros e com dúzias de hematomas, é hoje , como pudémos observar nesse dia, uma dolcíssima " Côte d´Azur" , de linguajar camarro - reconheço que não consegui ver a Brigitte Bardot , mas as "madamas" que suspiravam ao sol não eram de todo despisciendas.  
Os organizadores do encontro  resolveram este ano, para torná-lo ainda mais atrativo e estimulante, preparar um conjunto de brincadeiras para a malta se recrear, recordando assim os velhos tempos. E parece que o objectivo até foi alcançado, uma vez que se conseguiu mobilizar um grupo de foliões bem competitivos para as provas que foram desenhadas. O resto, já se depreende, como não poderia deixar de ser, aquela tropa de sargentões reformados, que se destacavam inevitavelmente no areal de Alburrica, deram largas às " excentricidades" que o certame pedia, com o resto da canalha a vibrar e a aplaudir, sobretudo, a destreza dos movimentos no arco com gancheta e os remates no jogo dos "backs". O final do enredo completou-se com um banho retemperador e célere nas águas calientes do rio por dois artistas mais arrojados, seguindo depois o cortejo para o local destinado ao repasto do costume, que ocorreu, desta vez, no salão principal do edifício da piscina, com música a bordo e tudo. Terminado o convívio, com uma matraquilhada bem disputada, seguiram-se depois as despedidas habituais, muito afectivas e calorosas,  com cada um a regressar às suas casas - a malta vai hibernar, até o despertador voltar novamente a tocar.  
Viver, devia de ser como quem passeia distraído da vida, como só os inocentes e os ignorantes o fazem, até ao dia em que soprar um vento frio, um vento de fim de tarde, e uma voz nos chame para dentro porque vem aí a noite.

segunda-feira, novembro 18, 2013

Fascismo, nunca mais!...

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"Subir salário mínimo é estragar a vida aos pobres"
Descaramento

sábado, novembro 16, 2013

Aqui, Posto de Comando das Forças Armadas

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sábado, novembro 02, 2013

Fado

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Dados da Direcção-Geral de Saúde (que se referem ainda ao ano de 2012)  dão conta de que uma em cada 5 famílias portuguesas deixou de comprar carne ou peixe por falta de dinheiro.


Vem isto a propósito da aprovação do Orçamento de Estado para 2014 e do sentimento que  lavra hoje entre os portugueses por causa do Inferno que este Governo lhes está a causar. Na realidade, se por vezes não é fácil convocar estereótipos para assinalar um conjunto de sinais que se repetem , desta vez até parece que a bota bate com a perdigota. Senão, vejamos: o Rio de Janeiro está sempre a dizer-nos que a vida é este momento ( ainda à poucos dias falávamos da boémia carioca de Vinicius de Morais e da sua garota de Ipanema); Buenos Aires, vive acordada, como se sonhasse - por ventura ao som dos tangos de Carlos Gardel e onde a ficção alimenta os espelhos de Borges; Tóquio é a capital da abstracção, com o digital e a mangá erótica a tomar conta da vida das pessoas; Madrid e Barcelona, continuam com as suas fúrias e ganas. Gente muito apaixonada sempre a correr à frente das cornadas; Paris, do " comment ça va ", tranquíla e romântica, como sempre, a fazer "amour, tout court," nos Champs-Elysées; Roma. Ah, Roma ... ," che bella cosa", che bella donna, che dolce farniente" ( volta Berlusconi que estás perdoado) ; e Londres, a trepidante Citty,  embalada nas malhas do multiculturalismo e sempre a mostrar as vanguardas do mainstream; Já de Berlim, creio  continuar-se a ouvir o som arrepiante e inesquecível das botas cardadas; Agora  Lisboa, a Lisboa do fado menor, triste e lamuriento, a Lisboa que chegou a ser menina imprevidente nos anos brasa de 74-75, é hoje uma cidade triste e conformada com a sua sina. Lisboa é hoje a Capital do desespero, Lisboa é, trágica e coincidentemente, a capital do fado .